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Barbárie

Vereadora manteve trabalhadora doméstica negra em escravidão por 28 anos

24 DEZ 2024 • POR https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto • 09h43
Simone Cabral submeteu mulher a trabalho análogo à escravidão por 28 anos.   Divulgação

Uma operação conduzida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, resultou no resgate de uma trabalhadora doméstica, negra, de 61 anos, de uma situação análoga à escravidão da casa da vereadora Simone Rezende Rodrigues da Silva (União Brasil), conhecida como Simone Cabral, de Além Paraíba (MG). De acordo com a fiscalização, ela estava há 28 trabalhando para a família.
A vítima é uma mulher pobre, oriunda da zona rural de Leopoldina (MG). Sem acesso à educação formal, ela nunca aprendeu a ler ou a escrever. Durante a inspeção, foi constatado que ela trabalhava sem descanso e não tinha direito a lazer ou vida social.


A coluna não conseguiu contato com a vereadora. Tão logo consiga, publicará aqui o seu posicionamento.
A trabalhadora relatou aos agentes públicos que nunca recebeu salário e que, quando precisava comprar algo, pedia à Simone. Segundo ela, a patroa teria dito que o dinheiro de sua remuneração estava guardado em um banco, mas ela não sabia que banco, não tinha cartão e nem quanto estaria lá.
A vereadora, que está em seu terceiro mandato, durante depoimento presente no relatório de fiscalização, negou a exploração e disse que a trabalhadora era uma "pessoa da família". E contradizendo o que havia relatado a doméstica, afirmou que ela não tinha conta aberta em banco.


"Ela não tem conta, ela não tem telefone, ela não conhece dinheiro. Ela sabe que nota de 100 é de 100, que de 50 é de 50", afirmou Simone. A empregadora também alegou que os pagamentos eram feitos em espécie, mas não apresentou comprovantes ou recibos.
De acordo com o auditor fiscal Luciano Pereira de Rezende, coordenador da operação, saltou aos olhos o engano ao qual a trabalhadora foi submetido.
"Nas poucas vezes em que ela pode visitar a família em Leopoldina, a empregadora dava algum dinheiro. Dessa forma, os parentes ficavam iludidos de que a vida estava bem. As sobrinhas descobriram que algo estava errado quando calcularam que a tia já estaria com direito a se aposentar e foram atrás dos empregadores para pegar documentação", afirma.
Trabalhadora doméstica e cuidadora de enfermo


Além de realizar todo o serviço doméstico, ela também atuava como cuidadora noturna do marido de Simone, que sofre de graves problemas de saúde, nos últimos anos.
Ela relatou que não dormia direito porque o patrão poderia passar mal de madrugada - ela tinha que compartilhar o quarto com ele. Chegou a sugerir à empregadora a contratação de uma enfermeira, mas foi negado sob justificativa de que custaria muito.
Segundo a trabalhadora, ela não possuía folgas e tinha poucas roupas, todas doadas pela empregadora. Também revelou que sua alimentação e outras necessidades básicas dependiam da boa vontade dos patrões.
O histórico previdenciário da trabalhadora também revelou irregularidades. Embora tenha trabalhado por quase três décadas, apenas 3 anos e 9 meses de contribuições ao INSS foram registrados, o que inviabilizava a aposentadoria - motivo que levou à denúncia das sobrinhas da trabalhadora.