Além do Diagnóstico: A lição de amor e resiliência de uma mãe de autista
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Sexta-feira | 04 de Outubro de 2024    09h47

Além do Diagnóstico: A lição de amor e resiliência de uma mãe de autista

NOSSA ENTREVISTADA DA SEMANA é uma mulher como tantas outras que sonha com a maternidade, que durante anos viu crescer a vontade de ser mãe, como tantas outras romantizou esse momento, criou expectativas em gerar uma vida, criar seu filho com valores, amor e zelo e viu seus sonhos se transformando em seu maior desafio.

Fonte: (Glenda Melo/Diário do Estado)
Foto: Arquivo pessoal

Nossa Entrevistada da Semana é Suely de Jesus Barreto, 38 anos, mãe do lindo Luíz Antônio de 10 anos, coordenadora acadêmica da universidade Unopar - Polo Coxim. Graduada em Administração de empresa, MBA em Gestão empresarial, Pós graduada em educação especial e inclusiva, Acadêmica em Educação especial – licenciatura, vice presidente da AFAAC (Associação de Familiares e Amigos dos Autista de Coxim) Militante na causa do autismo. Venha se emocionar com a gente nessa linda lição do verdadeiro amor de mãe.

Jornal Diário do Estado: Suely, vamos começar nossa entrevista falando um pouco sobre esse seu sonho da maternidade, sabemos que hoje muitas mulheres optam e são felizes com a opção de não ter filhos, para você a maternidade sempre foi um sonho?
Suely:
Sim Glenda, a maternidade sempre foi um desejo muito forte na minha vida, eu sempre tive o pensamento: Nasci para ser mãe.

Jornal Diário do Estado: E quando foi exatamente que o desejo da maternidade aflorou na sua vida?
Suely:
Há exatos 10 anos eu me senti preparada para ser mãe, eu já tinha uma certa estabilidade financeira, um bom emprego, me sentia mais madura e capaz para ser mãe.

Jornal Diário do Estado: Como começou o processo da maternidade?
Suely:
Em 2017 eu perdi uma gestação de 14 semanas de gêmeos, foi muito traumático e difícil para mim, uma das maiores dores que já passei na minha vida, foi um processo muito doloroso por que eu sonhava com esse momento e foi a partir daí que começa a mudança na minha vida e eu passo ver a adoção como uma opção.

Jornal Diário do Estado: Então, mesmo você sendo uma mulher com a possibilidade de gerar uma vida tem esse olhar de adotar? Por que essa opção?
Suely:
Eu não pensei o motivo, eu só queria ser mãe independente de ser gerado por mim ou não, queria um filho, isso me bastava, eu tinha muito amor para dar e acho que isso era o mais importante.

Jornal Diário do Estado: A adoção então acontece? Quando?
Suely:
Em 2014 meu filho chega até mim, há 10 anos realizei meu sonho de ser mãe.

Jornal Diário do Estado: Como foi o processo de adoção?
Suely:
Muito tranquilo, tudo aconteceu seguindo os trâmites legais, recebi meu filho nos braços no dia em que ele nasceu, ainda recém-nascido foi o encontro com o maior amor da minha vida, neste dia nasceu a Suely mãe e eu senti naquele dia que seria capaz de tudo pelo meu filho.

Jornal Diário do Estado: Sonho da maternidade realizado, você com seu filho, o que acontece em seguida?
Suely:
Tudo corria muito bem, era uma rotina de uma mãe normal, como todas as outras, mas conforme meu filho ia crescendo eu notava algumas coisas, com 10 meses de nascido começaram as crises epiléticas, quando ele deveria começar a fazer coisas simples como andar e falar não acontecia, começaram as idas aos médicos buscando descobrir o que estava acontecendo com meu filho.

Jornal Diário do Estado: Quando seu filho andou pela primeira vez? E quando ele falou?
Suely:
Diante da saúde fragilizada e sem saber ainda o que estava acontecendo ele, ele começa a andar somente aos 2 anos de idade, balbuciava algumas palavras, mas não falava, começou a falar com 4 anos de idade.

Jornal Diário do Estado: Nisso você ainda não tinha um diagnóstico?
Suely:
As idas em consultas, médicos e exames se tornavam cada vez mais frequentes, até que tive o diagnóstico do que meu filho tinha,foram 4 anos.

Jornal Diário do Estado: E qual foi o diagnóstico?
Suely:
Meu filho é autista nível 2 de suporte

Jornal Diário do Estado: Suely, como foi receber esse diagnóstico?
Suely:
Glenda, foi uma porrada, imagina uma mulher com o sonho da maternidade, com o sonho do filho “típico”, eu nem imagina como seria, o que eu teria que fazer, se eu daria conta, o medo veio, a revolta veio, a tristeza veio, me lembro de ter recebido o diagnóstico e ter ficado de 40 minutos a 1 hora no meu carro chorando, chorando muito, chorei, questionei
Deus, mas esse tempo foi tudo que eu me permiti sofrer, de repente como um sopro de Deus eu voltei para o eixo e pensei: É isso? Então vamos lá, meu filho precisa de mim, morreu a mãe sonhadora e nasceu a mãe realista que teria que ser o escudo do meu filho.

Jornal Diário do Estado: Entre receber o diagnóstico de autismo e começar a caminhada para o tratamento dele, houve algum momento em que você tenha sentido raiva?
Suely:
Sim, quando chegaram para mim e disseram: Seu filho será encaminhado para a APAE para seguir o tratamento por lá. Imagina, eu não entendia muito bem e na minha ignorância alí não era lugar para o meu filho, acho que por não conhecer, por nunca ter vivido aquilo eu achava que não era a APAE o lugar para o meu filho, mas não poderiam ter encaminhado meu filho para um lugar melhor, o progresso do meu filho desde quando entrou na APAE foi surpreendente, foi uma melhora absurda, ele ficava meio período na creche e meio período na APAE, tudo melhorou, socialização, coordenação motora, cognitivo, os avanços começaram, meu filho passou a ter mais qualidade de vida, hoje sou muito grata a APAE por tudo que fez pelo meu filho.

Jornal Diário do Estado: Para você Suely, qual o maior inimigo do autismo?
Suely:
Sem sombra de dúvida a desinformação Glenda, primeiro que o autismo não é uma doença como todos pensam, o autismo é um transtorno no desenvolvimento do cérebro, ele é um resultado de alterações físicas e funcionais do cérebro que está diretamente relacionado com o desenvolvimento motor, da linguagem e comportamento, as pessoas PRECISAM parar de falar que autismo é uma doença, não é. O preconceito, a ignorância e a falta de profissionais também atrapalha muito, veja pelo caso do meu filho, foram 4 anos até chegar ao diagnóstico de autismo, meu filho poderia ter tido muito mais autonomia e qualidade de vida se tivesse sido descoberto mais cedo.

Jornal Diário do Estado: Como é a rotina do seu filho hoje?
Suely:
A agenda dele é cheia eu costumo dizer, ele passa por acompanhamento diário com fonoaudióloga, psicoterapia, psicopedagoga, geneticista, durante o período da manhã ele estuda na escola Marechal Rondon, ele está no 4° ano, e no período da tarde de segunda sexta faz os acompanhamentos.

Jornal Diário do Estado: Ele toma alguma medicação?
Suely:
Sim, 3 por dia

Jornal Diário do Estado: Ele tem alguma restrição alimentar?
Suely:
Sim, e isso é da maioria deles, o Luíz Antônio por exemplo não come nenhuma fruta, nenhum legume e nenhuma verdura, não come, já tentamos introduzir, mas ele não come, ao contrário do arroz e ovo que é a comida preferida dele.

Jornal Diário do Estado: Ele tem alguma dificuldade em lidar com algum sentimento ou sensação?
Suely:
Sim, a frustração, caso ele seja contrariado, ele não gosta de ser contrariado, mas ele não fica agressivo, ele fica triste e chora.

Jornal Diário do Estado: O que irrita o Luíz?
Suely:
Fogos de artifício, som alto, sino de escola, carros e motos barulhentos, muita conversa, essas coisas incomodam muito ele.

Jornal Diário do Estado: É verdade que alguns autistas são especialistas em algum tema, algum assunto? Isso acontece com o Luíz?
Suely:
É verdade sim, no caso do meu filho ele é especialista no navio Titanic, ele sabe tudo, existem crianças, adolescentes e adultos autistas que são especialistas em dinossauros, em carros, motos, aviões entre outros, no caso do Luíz, é o Titanic.

Jornal Diário do Estado: Em Coxim, como você vê a rotina dos autistas?
Suely:
Falta muito para Coxim ser uma cidade que trabalha pelos autistas, a cidade não tem profissionais como terapeutas ocupacionais, Neuropediatra, entre outros profissionais, a falta de profissionais na cidade atrasa muito o desenvolvimento deles. Meu filho foi detectado com uma síndrome rara, a DEDBANP, meu filho é o único caso no Brasil, está sendo tema de um estudo científico na França, como ele só existem 13 casos no mundo, ele único no Brasil, imagina essa descoberta e quantas pessoas podem ser ajudadas, mas sem uma equipe de profissionais não seria possível, esse acompanhamento com meu filho poderia ser mais eficaz.

Jornal Diário do Estado: O que o Luíz gosta de fazer em casa?
Suely:
Assistir televisão, mexer no celular, fazer vídeos para o tic-toc

Jornal Diário do Estado: O Luíz é uma criança feliz?
Suely:
Muito, é uma criança muito feliz, carinhoso, claro que não é com todo mundo que ele interage, mas é uma criança que graças aos acompanhamentos que faz socializa muito mais, estuda, brinca, a qualidade de vida dele melhorou muito nos últimos anos.

Jornal Diário do Estado: Você hoje trabalha efetivamente em busca de melhorias para o público autista de Coxim, é uma luta pesada?
Suely:
É, por que as pessoas só começam a enxergar uma bandeira quando essa bandeira faz parte da rotina dela, os profissionais que existem em Coxim não dão conta da demanda, não são todas as famílias que tem condição de levar seus filhos para fora para fazer acompanhamentos, muita coisa já melhorou nos últimos anos aqui em Coxim, mas muito, muito mesmo ainda falta ser feito.

Jornal Diário do Estado: Existe alguma coisa que te irrite nessa jornada com o Luíz?
Suely:
Quando olham para ele como um coitado, ele não é coitado, ele não precisa que sintam pena dele, ele tem autonomia sobre a vida dele, ele anda, se comunica, come sozinho, brinca, vai para escola, as pessoas precisam parar de olhar para os portadores de espectro autismo com pena, eles não querem que as pessoas sintam pena, eles precisam ser respeitados e incluídos na sociedade por um direito que já pertence a eles.

Jornal Diário do Estado: Você sente o preconceito? Existe o preconceito?
Suely:
Claro que existe, seria mentira se eu dissesse que não, vivemos em um mundo de pessoas egoístas e sem empatia, mas tudo isso eu vejo como parte da desinformação, pessoas desinformadas se tornam ignorantes, consequentemente preconceituosas.

Jornal Diário do Estado: Sua ideia sobre maternidade mudou?
Suely:
Não, eu hoje só tenho um olhar mais maduro quanto a maternidade, não é um conto de fadas, não é um romance, a maternidade independente se seu filho tem autismo ou não requer da gente coragem e resiliência, não dá para romantizar a maternidade, só pode ser mãe quem entende de amor, de abdicar das coisas, maternidade é viver por dedicação e não existe espaço para egoísmo na missão de ser mãe.

Jornal Diário do Estado: Você faria tudo de novo?
Suely:
Tudo de novo e um pouco mais, agradeço todos os dias por Deus ter me dado um filho autista, é ele que me ensina todos os dias, eu fui transformada pelo meu filho, ele me escolheu para me transformar enquanto ser humano, Eu achei que ele precisava de mim, sou eu que preciso dele.

Jornal Diário do Estado: Qual seu maior medo quanto a ele Suely?
Suely:
Eu sou mãe solo Glenda, então eu tenho um único medo, quando eu não estiver mais aqui quem irá cuidar do meu filho? E para te falar a verdade hoje esse é meu único medo na vida, mas acredito que Deus me permitirá viver muito para cuidar dele.

Jornal Diário do Estado: Você nos disse que é mãe solo, essa caminhada foi mais difícil sozinha?
Suely:
Bom, quem cuida, educada, cria filho é sempre a mãe mesmo né? Sabemos disso. E existem pesquisas feitas dizendo que grande parte dos companheiros abandonam suas esposas e companheiras neste processo, alguns homens além de serem imaturos não possuem o sentimento que nós mulheres temos de abrir mão das coisas por um filho, e está tudo certo, são escolhas, a minha foi meu filho.

Jornal Diário do Estado: Você é uma mulher feliz e realizada apesar de tantos desafios?
Suely:
Claro que sim, como eu não seria, eu amo meu filho e meu filho me ama, sinto o amor genuíno e puro e leal dele todos os dias, eu sou muito feliz e grata.

Jornal Diário do Estado: Gostaria que você fizesse suas considerações finais por favor Suely
Suely:
Gostaria de agradecer pela oportunidade de falar um pouco sobre o autismo, uma pauta tão importante, queria dizer para as mães que passam pelos mesmos desafios que eu passo que não desistam dos seus filhos, que busquem os tratamentos para eles, que busquem qualidade de vida melhor para eles, que eu sei que não é fácil, mas que o amor sempre nos fortalecerá e que nós somos abençoadas por sermos escolhidas por eles. Obrigada jornal Diário do Estado por cumprir com seu papel na sociedade de informar.

 

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