NOSSO ENTREVISTADO DA SEMANA é um cara de natureza mansa, nascido no Paraná, mas que escolheu o Mato Grosso do Sul para firmar morada, homem de apego e respeito as suas raízes pantaneiras, de menino de rua virou protegido de um dos maiores pecuaristas do Mato Grosso do Sul, o saudoso Lúdio Coelho. Pelo nome de batismo talvez você não conheça mas se eu colocar aqui para vocês o apelido carinhoso que ele ganhou dos amigos coxinenses você com certeza vai acertar o nome do nosso entrevistado da semana “Júlio pipoca” 57anos, como ele mesmo gosta de falar: um homem sem estudo mas que escolheu o caminho do bem quando tudo o levava para o lado oposto da vida, o pantaneiro que sobreviveu por anos morando nas ruas, foi acolhido, se transformou em um peão de comitiva e hoje corre o Brasil levando a culinária pantaneira. vamos conhecer a história desse legítimo pantaneiro.
Jornal Diário do Estado: Você nasceu no Paraná, mas já morou em várias cidades de MS até se firmar em Aquidauana, mas como foi sua chegada em Coxim?
Júlio pipoca: É Glenda, eu já rodei muito, se eu contar toda minha história essa entrevista vira um livro, mas podemos começar com o tempo que eu vivia nas ruas, eu fui um menino de rua mesmo e minha história começa nessa fase para poder chegar aqui.
Jornal Diário do Estado: Então nos conte, como foi esse período morando nas ruas, foi em Campo Grande certo?
Júlio pipoca: Sim, eu perdi meus pais aos 5 anos de idade, me colocaram em um orfanato, mas as coisas lá não eram boas, foi então que eu fugi e fiz das ruas de Campo Grande a minha casa.
Jornal Diário do Estado: Você, uma criança de 5 anos se torna morador de rua? como foi isso?
Júlio pipoca: Olha eu acho que para as crianças morar na rua é mais fácil, não estou dizendo e nem aconselhando nenhuma criança e adolescente fazer isso, estou dizendo no sentido de achar que as pessoas tem mais pena das crianças de rua e por conta disso ajudam mais.
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Jornal Diário do Estado: Como eram seus dias na rua? Você se lembra?
Júlio pipoca: Me lembro de muitas coisas, de pedir dinheiro para as pessoas que passavam para comer, elas ajudavam, de não tomar banho todos os dias, e dormir na rua, essas são as lembranças mais fortes que eu tenho, mas morar na rua apesar de ser muito difícil me ensinou muitas coisas.
Jornal Diário do Estado: Que tipo de coisa?
Júlio pipoca: Não confiar em todo mundo.
Jornal Diário do Estado: Você morou na rua por quanto tempo?
Júlio pipoca: Morei por 2 anos nas ruas de Campo Grande.
Jornal Diário do Estado: E quando você sai das ruas e conhece um lar, uma família novamente?
Júlio pipoca: Eu tive a sorte de ser notado nas ruas por um homem muito especial, o senhor Lúdio Coelho, já falecido, grande pecuarista e exprefeito de Campo Grande, ele me tirou das ruas e me levou para sua fazenda, a fazenda Querência em Aquidauana, fui criado na fazenda e foi aí que conheci a vida do homem pantaneiro.
Jornal Diário do Estado: Bom, você foi criado por um dos maiores pecuaristas do Brasil, o senhor Lúdio Coelho infelizmente já falecido foi um dos nomes mais respeitados do Brasil quando o assunto era pecuária, como foi ser criado por ele?
Júlio pipoca: Glenda, quando cheguei na fazenda eles me deram tudo, fui para escola para aprender ler e escrever, tinha muita fartura, mas também tinha muito trabalho, comecei a ir para a lida com os peões da fazenda e foi naquele momento que eu decidi que não queria mais estudar, só queria fazer aquilo que eles faziam, lidar com a terra e os bichos.
Jornal Diário do Estado: E aceitaram sua escolha?
Júlio pipoca: Aceitaram, até por que não tinha jeito também, eles mesmos também viram que minha alegria era estar na lida com a peonada.
Jornal Diário do Estado: Então você passa sua infância, adolescência e vida adulta na fazenda Querência?
Júlio pipoca: Sim, eu deixo a fazenda aos 25 anos de idade
Jornal Diário do Estado: Por que você deixa a fazenda? Não era o que você mais amava fazer?
Júlio pipoca: Sim, mas em uma dessa saídas da fazenda eu conheci uma mulher, me encantei por ela e aí já viu né? Homem novo apaixonado é bicho besta.
Jornal Diário do Estado: Você é casado Júlio? Tem filhos?
Júlio pipoca: Sou solteiro, mas tenho 3 filhos, Ana Paula 35 anos, Leandro 34 anos e minha rapinha do tacho, meu xodó Mariana com 11 anos
Jornal Diário do Estado: Quando você chega em Coxim Júlio?
Júlio pipoca: Chego no ano de 2009
Jornal Diário do Estado: E quando você chega na cidade você volta a ser peão de comitiva e continua na vida de viagens para levar gado?
Júlio pipoca: Não Glenda, quando eu chego em Coxim me torno comerciante e abro a selaria dos amigos, me tornei comerciante e fiquei com a selaria por 15 anos na cidade
Jornal Diário do Estado: E por que você fechou a selaria?
Júlio pipoca: Havia me casado, fiz a partilha dos bens com a minha ex-mulher e então ela ficou com a selaria.
Jornal Diário do Estado: Você passa fazer o que depois que se desfaz da selaria?
Júlio pipoca: Foi aí que nasceu a ideia de colocar minhas traia de pantaneiro na praça da concha e começar a fazer o que eu fiz por tantos anos nas comitivas pelo pantanal, cozinhar.
Jornal Diário do Estado: Isso acontece em que ano?
Júlio pipoca: 2019, o ano da pandemia, eu já havia começado a fazer o cardápio pantaneiro na praça da concha nas sextas-feiras junto com os feirantes, mas aí achei melhor mudar meus horários e dias de venda das comidas, passei a fazer toda quinta-feira servindo os almoços, eu chego na madrugada de quinta-feira e saio só no final da noite de quinta.
Jornal Diário do Estado: Qual é o cardápio?
Júlio pipoca: É a mais pura comida pantaneira, do começo até hoje, a mesma comida, arroz carreteiro, feijão gordo, ovo frito, e macarrão de comitiva, que é um macarrão frito.
Jornal Diário do Estado: Você tem uma base do quanto você vendia?
Júlio pipoca: Eram 200 marmitas, tinha fila de clientes para comprar, por que o povo não tinha o costume de comer a comida pantaneira do mesmo jeito que é feito no pantanal, então muita gente queria saber como era, compravam e viraram clientes e até hoje estão comigo.
Jornal Diário do Estado: Você me disse que começou em 2019, ano da Pandemia, um período que não podíamos aglomerar, reuniões e encontros eram proibidos e o isolamento foi imposto como um meio de conter para que os números não aumentassem e pessoas não fossem contaminadas, como foi para você esse período Júlio?
Júlio pipoca: Para mim foi muito difícil por que eu vendia 200 marmitex toda quinta-feira, passei a vender 60, as pessoas se isolaram, não podia ter mais feira, eu vendia ainda no sistema de drive, as pessoas passavam de carro, eu de máscara, tudo higienizado com álcool gel e eles levavam, mas não tinha mais contato, conversa, as prosas que a gente tinha com os clientes, tudo acabou, inclusive o lucro, o que me salvou foi um projeto do Governo do Estado para o segmento da cultura, e fui sobrevivendo assim até a pandemia acabar e a gente poder voltar a fazer as coisas que a gente fazia, mas foi um período muito difícil.
Jornal Diário do Estado: Passado esse período da pandemia, as coisas voltam a melhorar?
Júlio pipoca: Ah sim, voltou tudo a ser como era antes, e acho que Deus ainda fez minha comida e o prazer que eu sinto em cozinhar chegar em lugares que jamais imaginei que chegariam.
Jornal Diário do Estado: Como assim?
Júlio pipoca: Começaram a chegar os convites para cozinhar fora de Coxim, para outros estados, foi quando eu pensei: eitaaa !!!!! esse negócio tá dando certo, comecei viajar muito, comecei ficar pouco em Coxim
Jornal Diário do Estado: Qual foi o primeiro convite para cozinhar fora, você se lembra?
Júlio pipoca: Sim, através do Simon Cândido secretário de desenvolvimento de Coxim, das senhoras Kátia e Denize do SEBRAE que me ajudaram muito, me orientaram, eu fui convidado para dar um treinamento de 10 dias para funcionários do restaurante Cerrado do Pantanal de comidas pantaneiras, fui muito ajudado por eles e pelo SEBRAE e SENAR , esse foi o primeiro convite e foi uma grande experiência para mim, imagina, um peão de comitiva ensinar nossa comida para eles, um homem simples, sem estudo, ensinando, foi muita alegria.
Jornal Diário do Estado: você se arrepende de ter deixado um negócio que já estava consolidado em Coxim como a sua selaria para cozinhar?
Júlio pipoca: De jeito nenhum, hoje eu sou o homem mais feliz que você pode imaginar, eu amo cozinhar, eu amo levar a nossa cultura para os outros lugares para outras pessoas conhecerem
Jornal Diário do Estado: O que você gostaria de colocar no seu cardápio pantaneiro que você ainda não colocou?
Júlio pipoca: A costela seca, que é uma costela feita de um jeito diferente, e a farofa pantaneira que dá muito trabalho por que o charque é socado no pilão, mas ainda vou colocar, vai dar certo.
Jornal Diário do Estado: Como está sua agenda para os próximos meses?
Júlio pipoca: Glenda, eu fico em Coxim até meados do mês de outubro para participar da festa da primavera, depois tenho viagem já agendada para o Paraná, são Paulo, Mato Grosso e aqui para o MS também.
Jornal Diário do Estado: Vai cozinhar para algum famoso em alguma dessas agendas?
Júlio pipoca: Sim, Fernando e Sorocaba me convidaram para cozinhar nossas comidas para eles, Alex e Ivan também e recentemente eu cozinhei para o presidente do clube Corinthians.
Jornal Diário do Estado: Onde te convidam você vai?
Júlio pipoca: Convidar não, eles me contratam, eu faço contrato certinho peço sempre 50% antes e os outros 50% depois, tudo é feito nos conformes, como diz o ditado: Nóis é bruto mas nóis não é bobo.
Jornal Diário do Estado: Você tem o sonho de cozinhar em algum lugar Júlio?
Júlio pipoca: Sim, em Barretos.
Jornal Diário do Estado: Por que Barretos?
Júlio pipoca: Por que lá no rodeio de Barretos vão os melhores artistas sertanejos, imagina eu cozinhando naquele lugar para aquela gente que vem de todo lugar do Brasil, seria um sonho realizado.
Jornal Diário do Estado: Você cozinha para qualquer evento?
Júlio pipoca: Sim, casamento, batizado, aniversário e as pessoas também me chamam sem festividade ou comemoração, só querem experimentar a comida pantaneira.
Jornal Diário do Estado: Você tem ideia que você hoje também é um agente cultural que ajuda a difundir nossa cultura pantaneira e nossa cidade Coxim?
Júlio pipoca: Glenda, nunca me falaram isso, aliás já falaram mas de outras formas, eu não tinha ideia do que eu estava fazendo, para mim eu só estava cozinhando uma coisa que sempre fiz desde que fui trabalhar em comitiva nessas estradas do pantanal, mas hoje eu levo com muito orgulho o nome de Coxim e do nosso estado para todos os lugares que eu vou.
Jornal Diário do Estado: Me fala como você se vê, depois de tantas histórias de superação?
Júlio pipoca: Eu acho que Deus gosta é muito de mim, mas não é pouco não, é muito, por que tudo que eu já passei principalmente nas ruas e nessas viagens pelo pantanal não era para estar mais aqui e quando eu penso em tudo só posso pensar que Deus me ama e cuida muito de mim.
Jornal Diário do Estado: Júlio, gostaríamos que você nos deixasse suas considerações finais.
Júlio pipoca: E u queria agradecer o convite que vocês me fizeram, onde que eu imaginei que um dia eu estaria dando uma entrevista para uma jornalista para falar da minha vida simples, eu agradeço todos vocês do jornal e quero convidar vocês e o povo de Coxim para comer a verdadeira comida pantaneira toda quinta-feira a partir das 6:00 da manhã com um cafezinho na praça da Concha Acústica, muito obrigada e espero vocês todos lá.