NOSSA ENTREVISTADA DA SEMANA é uma defensora ferrenha da educação pública, amante da simplicidade, professora querida por seus alunos, mesmo estando fora da sala de aula. Avó apaixonada, amante da natureza e de estar com as mãos na terra, plantando e colhendo. Esposa dedicada, que, junto do seu Severino, construiu família e raízes coxinenses. Durante o triste período da pandemia, conheceu seu lado escritora e se viu diante de mais um desafio em sua vida: aprender e tirar proveito do isolamento. Daí então nasce a obra "Crônicas de uma professora em tempos de pandemia". Nossa conversa desta semana será com a professora e escritora Maria Leuda, 60 anos, casada, mãe de Letícia e Natália, avó de Maitê, Alice e Maria. Vamos conhecer um pouco dessa mulher que não foge de suas lutas.
Jornal Diário do Estado: Leuda, vamos começar falando sobre sua história na educação. Como foi a escolha dessa profissão?
Maria Leuda: Glenda, desde que me entendi por gente, quis ser professora. Era meu sonho desde criança. Ao crescer, isso não mudou, mas meu pai era radicalmente contra. Ele dizia que era uma profissão sem futuro, que as mulheres que escolhiam essa profissão não eram de boa índole. Um pensamento extremamente machista, mas que era comum em muitas famílias naquela época.
Jornal Diário do Estado: E como foi que você dobrou seu pai e seguiu seu sonho na educação?
Maria Leuda: Não dobrei. Fiz o magistério contra a vontade dele. Me formei em 1983, mas ele não foi à minha formatura. Para ele, era uma afronta o que eu havia feito, em prosseguir em um curso que ele não aprovava. Mas fiz, me realizei na minha escolha e nunca me arrependi.
Jornal Diário do Estado: Após formada, o que aconteceu depois?
Maria Leuda: Fiz o concurso e passei em primeiro lugar na época. Foi quando minha caminhada na educação começou de fato.
Jornal Diário do Estado: Qual foi a primeira escola onde você lecionou em Coxim?
Maria Leuda: Foi a escola Clarice Rondon dos Santos. Lá permaneci por 3 anos. Foi meu encontro de fato com as rotinas de uma escola, os prazeres e dificuldades que a educação apresentava.
Jornal Diário do Estado: A educação te moldou em que sentido na vida?
Maria Leuda: Venho de uma longa linhagem de mulheres aguerridas, que não têm medo de nada. As mulheres da minha família sempre foram o arrimo, a base, a força. Na educação, acredito que também exista isso. Só segue na educação quem tem o chamado, e se você não tiver muita paixão pela educação e por ensinar, você não continua.
Jornal Diário do Estado: Formada e já exercendo o magistério, você então conheceu seu marido, Severino, e começou a construir sua família. Como foi conciliar escolas e vida familiar?
Maria Leuda: Eu trabalhava 3 períodos, Glenda. Não era fácil, era muito difícil mesmo. Severino e eu namoramos por 5 anos antes de casarmos, e eu sabia que ele seria um grande parceiro de vida. Não poderia ter escolhido melhor. Como eu havia escolhido muito bem meu parceiro de jornada, ele e eu dividíamos os afazeres em casa e com as crianças.
Jornal Diário do Estado: Você é mãe de duas mulheres, ambas casadas e da área da saúde. Você acha que, pelo fato de suas filhas terem acompanhado muito de perto sua luta, isso as ajudou nas escolhas de suas vidas?
Maria Leuda: Olha, eu tenho certeza disso. Letícia é médica, Natália é dentista. As duas foram alunas de escolas públicas e, através de mim, descobriram o valor da escola pública e que, ao contrário do que falam, a educação pública está em total nível de qualidade de ensino que as escolas privadas. Minhas filhas são crias do ensino público, estão felizes com suas escolhas, não por intermédio do pai ou meu. Hoje elas são profissionais competentes graças aos seus esforços e à qualidade do ensino público.
Jornal Diário do Estado: Falando do ensino público, o que você, como educadora, vê de mudança desde o ano em que você se formou até hoje, mais de 30 anos depois?
Maria Leuda: Inúmeras coisas. Apesar da catástrofe que assolou o Brasil nos anos de 2018 até 2022, quando vimos a educação sendo tratada com tanto desdém pelo presidente Bolsonaro, com a educação sendo sucateada, um retrocesso total, hoje vemos uma reconstrução sendo feita. As políticas públicas criadas para o fortalecimento da educação prometem colocar a educação no patamar de respeito que ela merece.
Jornal Diário do Estado: Após se aposentar, Leuda, como foi a realidade de não estar mais nas salas de aula?
Maria Leuda: Eu sempre amei lecionar, estar junto dos meus alunos, ensinar e também aprender com eles. Mas eu sentia a necessidade de descansar, e a sensação de dever cumprido eu já estava sentindo. Portanto, estava pronta para descansar.
Jornal Diário do Estado: E como foi a nova rotina?
Maria Leuda: A Leuda que passou a cuidar mais de casa, cozinhar, e ir para a fazenda de mudança nasceu. Já era da vontade do marido a ida definitiva para a fazenda. Quando a aposentadoria chegou, nos mudamos para lá e foi lá que descobri o verdadeiro significado da palavra "paz".
Jornal Diário do Estado: O que você passou a fazer na fazenda que não fazia na cidade?
Maria Leuda: Acordar um pouco mais tarde, plantar frutas, verduras e legumes. Fizemos nosso pomar, nossa hortinha, começamos a criar alguns animais, tudo para nosso consumo mesmo. Foi então que eu descobri esse prazer pela vida no campo. Eu ajudava meu marido com as cercas e outros serviços, porque na roça também tem muito trabalho, viu? Tudo precisa de cuidado, plantas e animais, mas a terra é gentil e nos devolve todos os cuidados. É cansativo, mas prazeroso.
Jornal Diário do Estado: E foi na fazenda que nasceu a ideia de escrever seu livro?
Maria Leuda: Sim, estávamos na pandemia, no auge da pandemia. Visitas foram proibidas, reuniões entre amigos e familiares, todos nós tivemos que nos isolar de fato. Como estávamos na fazenda, de certa forma já estávamos isolados. Éramos só eu, Severino, o rio, a mata e os animais. Então eu passei a prestar mais atenção nos bichos, na minha rotina, e comecei a pensar que tudo aquilo poderia se tornar um registro. A partir desses registros, eu poderia fazer algumas crônicas de maneira lúdica, usando tudo que eu tinha ali como fonte de inspiração.
Jornal Diário do Estado: Quanto tempo levou para escrever?
Maria Leuda: Escrevi por 2 anos, e conforme as coisas iam aparecendo, eu começava a publicar no meu Facebook. As pessoas começaram a gostar das histórias e comentar para que eu transformasse tudo em um livro. Foi assim que o livro nasceu.
Jornal Diário do Estado: O livro se chama Crônicas de uma Professora em Tempos de Pandemia. Por que esse título?
Maria Leuda: Exatamente porque era o momento que estávamos vivendo, a pandemia que nos afastou dos nossos, que nos deixou isolados. Achei que esse tema seria o mais pertinente.
Jornal Diário do Estado: Quantas crônicas você escreveu nesses 2 anos?
Maria Leuda: 60.
Jornal Diário do Estado: Você se surpreendeu com a resposta dos leitores sobre seu livro?
Maria Leuda: Sim, bastante. Foi tudo muito positivo. Recebi muitas mensagens de parabéns, pessoas dizendo que tal texto remetia à sua vida, à sua experiência, que alguns textos haviam tocado profundamente as pessoas. Foi bastante emocionante receber os relatos de quem havia lido o livro.
Jornal Diário do Estado: Suas inspirações para escrever, quais eram?
Maria Leuda: Tudo. Natureza, rio, animais, rotina cuidando da fazenda... tudo, de alguma forma, virou história. Talvez por isso as pessoas que leram se identificaram tanto, porque foi tudo muito casual, muito simples, com assuntos do nosso dia a dia.
Jornal Diário do Estado: Você pensa em escrever outro livro?
Maria Leuda: Sim, mas não para agora. Hoje estou me desdobrando na missão de avó e vivo na estrada. Estou me dedicando 100% ao meu mais novo e principal papel, o de ser avó.
Jornal Diário do Estado: Com toda sua história na educação, existe algo que você veja hoje e que te incomode bastante?
Maria Leuda: Ah sim, Glenda. Vejo alguns colegas de profissão que estão em escolas públicas trabalhando, sabem da qualidade do nosso ensino, e colocam seus filhos para estudarem na rede privada. Isso pode até ser uma coisa boba, mas acho um desmerecimento do nosso ensino público. Eu, além de tudo, fiz parte do sindicato dos professores em Coxim. Então, para mim, um profissional da educação que está em sala de aula, sabe o quanto as escolas públicas são de qualidade, e mesmo assim coloca seus filhos em escolas particulares, isso não faz sentido.
Jornal Diário do Estado: E hoje, quais seus projetos?
Maria Leuda: O mais importante de todos os tempos, me mudar de Coxim para poder ficar mais perto das minhas filhas e minhas netas e acabar com essa canseira que é viver na estrada, já estamos nos organizando para isso.
Jornal Diário do Estado: Ser avó hoje é seu maior projeto?
Maria Leuda: Sim, quero dedicar meu resto de vida para minhas netas.
Jornal Diário do Estado: Leuda, agora é hora do nosso bate-bola, ok?
Maria Leuda: Vamos lá.
Jornal Diário do Estado: Uma cor?
Maria Leuda: Azul.
Jornal Diário do Estado: Uma comida?
Maria Leuda: Churrasco.
Jornal Diário do Estado: Um cheiro?
Maria Leuda: Das minhas netas.
Jornal Diário do Estado: Uma tristeza?
Maria Leuda: A distância.
Jornal Diário do Estado: Uma alegria?
Maria Leuda: Ser avó.
Jornal Diário do Estado: Uma decepção?
Maria Leuda: Alguma coisa que eu não consiga fazer.
Jornal Diário do Estado: Um dia perfeito é?
Maria Leuda: Junto das minhas filhas e das minhas netas.
Jornal Diário do Estado: Um lugar?
Maria Leuda: Petrolina.
Jornal Diário do Estado: O que você acha desprezível?
Maria Leuda: Falsidade.
Jornal Diário do Estado: Uma palavra?
Maria Leuda: Fé.
Maria Leuda: Um amor?
Maria Leuda: Meu marido Severino.
Jornal Diário do Estado: Leuda, gostaríamos que você nos deixasse suas considerações finais.
Maria Leuda: Gostaria de agradecer a grande oportunidade de poder falar um pouco da minha história e da minha vida na educação, nessa caminhada tão gratificante que Deus me proporcionou até aqui. Obrigada a toda família do Diário do Estado pelo lindo convite, foi um grande prazer. Muito obrigada e que Deus nos abençoe sempre.