SISTEMA JUDICIAL EM COLAPSO: QUANDO A JUSTIÇA FAVORECE POUCOS E PENALIZA MUITOS.
O sistema judiciário brasileiro está em uma encruzilhada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ilustra bem essa realidade: só em 2018, foram julgados 511.761 processos, enquanto 338.771 novos casos foram distribuídos, o que resultou em uma média impressionante de 1.402 julgamentos por dia, ou 58 por hora. Esses números alarmantes revelam uma justiça sobrecarregada, onde a quantidade de processos não reflete necessariamente qualidade nas decisões. O volume crescente de demandas não pode ser ignorado, especialmente quando consideramos que nem todos os casos chegam aos Tribunais Superiores.
Esse cenário tem sido utilizado como argumento para criar barreiras ao acesso à justiça. O que muitos não reconhecem é que essa explosão de processos está diretamente ligada à ampliação do acesso da população mais pobre ao sistema judiciário, impulsionado pela criação das Defensorias Públicas Estaduais. Antes, apenas a elite tinha os recursos para levar seus pleitos ao Judiciário, mas agora, milhões de brasileiros podem lutar por seus direitos. Contudo, o aumento do número de cidadãos que buscam justiça não foi acompanhado por um crescimento proporcional do número de magistrados. A pergunta que surge é inevitável: por que não se aumenta o número de julgadores?
A resposta que muitos aceitam passivamente é que o Brasil tem um Judiciário que julga mais casos do que qualquer outro no mundo, como se isso fosse sinônimo de excelência. Mas julgar mais não significa julgar melhor. O pilar fundamental da justiça é a confiança de que as decisões são tomadas com base na imparcialidade e em uma análise minuciosa do direito e da jurisprudência. No entanto, a realidade aponta para o oposto. A crença na justiça está se esvaindo, e estamos à beira de um abismo, onde cada vez mais brasileiros perdem a confiança no sistema.
Esse descrédito não é infundado. A cada dia, a lei parece ser interpretada ao sabor das convicções pessoais dos julgadores. O caso de Sergio Moro, que destruiu a crença na imparcialidade, e o julgamento de Michel Temer, que expôs a rapidez e o rigor da justiça para alguns, são exemplos emblemáticos dessa crise de credibilidade.
No âmbito penal, a situação é ainda mais grave. Embora as normas processuais tenham sido alteradas para reduzir o encarceramento provisório, essa diretriz é ignorada em favor de uma cultura do encarceramento, onde a gravidade abstrata dos delitos é utilizada como justificativa para prisões sem base normativa. Em vez de oferecer a prestação jurisdicional devida, o Judiciário se coloca como um instrumento de justiçamento, pautado em convicções individuais.
O que emerge é uma política de jurisdição defensiva e do indeferimento sistemático, uma forma disfarçada de má prestação jurisdicional. O Judiciário brasileiro não pode continuar elitista, julgando apenas os poderosos, enquanto milhares de cidadãos comuns ficam à mercê da jurisprudência defensiva. O que determina os julgamentos presenciais com direito à sustentação oral nas cortes Superiores? Seria a influência? A posição social? Ou, como se questiona ironicamente, a cor dos olhos?
É chocante que o Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de Lula, tenha acertadamente alterado sua jurisprudência para fazer valer os princípios da imparcialidade e da presunção de inocência. Mas para o "cidadão comum", parece que não é essa jurisprudência aplicada. A contradição é evidente, especialmente no julgamento que permitiu a antecipação do cumprimento de pena nos casos do Tribunal do Júri.
A desigualdade na prestação jurisdicional no Brasil é um problema que não pode mais ser ignorado. A lei deve ser aplicada de forma igual para todos, sem exceções. Precisamos de um Judiciário que funcione para a população como um todo, e não apenas para a elite.
Em "O Último Dia de um Condenado", Victor Hugo expõe a desfaçatez de acabarem com a guilhotina, não pelo mal que ela representava, mas, sim, para salvar figurões. Já em "A Revolução dos Bichos", George Orwell termina com a célebre frase “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Não podemos mais endossar essas desigualdades, se a norma é fruto de um processo democrático, não é admissível que o judiciário deixe de segui-la, e, pior, passe a criar norma.