A CONDENAÇÃO DA BOATE KISS, UM ERRO DE UM SISTEMA QUE ODEIA POBRES.
Elissandro Spohr, sócio da boate, foi condenado há 22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual; Mauro Hoffmann, sócio da boate foi condenado há 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual; Marcelo de Jesus, vocalista da banda, foi condenado há 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual; e Luciano Bonilha, auxiliar da banda, foi condenado há 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual.
Os réus foram condenados por 242 homicídios consumados e 636 tentativas. O Ministério Público havia incluído duas qualificadoras — por motivo torpe e com emprego de fogo —, que aumentariam a pena. Entretanto, a Justiça retirou essas qualificadoras e converteu para homicídios simples.
Segundo o MP-RS, Elissandro e Mauro são responsáveis pelos crimes e assumiram o risco de matar por terem usado “em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso, contratando o show descrito, que sabiam incluir exibições com fogos de artifício, mantendo a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo na boate”.
Já Marcelo e Luciano foram apontados como responsáveis porque “adquiriram e acionaram fogos de artifício (...), que sabiam se destinar a uso em ambientes externos, e direcionaram este último, aceso, para o teto da boate, que distava poucos centímetros do artefato, dando início à queima do revestimento inflamável e saindo do local sem alertar o público sobre o fogo e a necessidade de evacuação, mesmo podendo fazê-lo, já que tinham acesso fácil ao sistema de som da boate”.
Sem dúvida nenhuma a morte de 242 pessoas é chocante, a dor da família é incomensurável; ENTRETANTO, para o pacto social (regra do jogo), interessa saber se eles teriam à vontade de matar, ou seja, o dolo. Evidente que ninguém ali queria matar ninguém, por isso não existiu o dolo.
Mas inventaram a figura do dolo eventual, que ao contrário do dolo direto, não possui esse caráter acentuado de vontade na causação do resultado danoso, mas, sim, de maneira menos acentuada, anui (concorda) com a sua realização, ante o desejo de execução de um fim alheio ou não ao crime.
O que o Ministério Público sustentou é que essas quatro pessoas poderiam ter previsto que as mortes ocorreriam, tinham a consciência do risco. Isto é, o cidadão que por questão de sobrevivência abre um comércio e por algum motivo ocorre um acidente, incendiando o local por conta de uma instalação elétrica mal feita, e aí uma pessoa morre; este pequeno comerciante quis a morte dessa pessoa?
Vamos além, e a responsabilidade da prefeitura, dos órgãos de controle municipal, e estadual, que têm o dever legal de autorizar o funcionamento do estabelecimento comercial não têm responsabilidade por ter liberado o funcionamento?
Não se discute que houve a imprudência, a negligência, ou a imperícia, mas isto é culpa consciente, que é quando o violador da norma penal não deseja a busca de um delito, pelo contrário, até a repulsa, mas, por uma imprudência, negligência ou, imperícia, acaba-o causando, não é dolo eventual.
Essa régua que tirou a responsabilidade das autoridades que autorizaram a boate abrir, é a mesma régua que tirou a acusação de homicídio da Tragédia de Mariana, MAS quando os acusados são pobres o direito muda, o dolo muda, a aporofobia (aversão a pobres) do sistema criminal brasileiro é latente. Vendo quatro pobres coitados sendo condenados por algo que não tiveram a intenção de fazer, não estou dizendo que não mereciam reprimenda, só consigo pensar em Moro Giaferre quando disse:
“A opinião pública está entre vós. Expulsai-a, essa intrusa. É ela que gritava ao pé da cruz: “crucificai-o”. Ela, com um gesto de mão, imolava o gladiador agonizante na arena. É ela que aplaudia aos autos da fé da Espanha, como ao suplício de Calas. É ela enfim que desonrou a Revolução francesa pelos massacres de setembro, quando a farândola ignóbil acompanhava a rainha ao pé do cadafalso. A opinião pública está entre vós, expulsai-a, essa intrusa... Sim, a opinião pública, esta prostituta, é quem segura o juiz pela manga”.