Vivenciando a midiatização da CPI da COVID muito se tem falado sobre a testemunha, se ela teria direito ao silêncio, bem como de ser acompanhada por um advogado. Essa dúvida não se restringe somente no âmbito da CPI, infelizmente muitas autoridades que cuidam dos procedimentos inerentes a inquéritos têm dificuldade em assimilar os direitos e garantias fundamentais de qualquer cidadão previstos na Constituição Federal, e também de cumprir as normas infraconstitucionais, em especial o Código de Processo Penal. Existe ainda o pensamento antidemocrático de achar que o procedimento é da autoridade e ela faz do jeito que achar melhor.
O STF tem entendimento consolidado no sentido de que o privilégio contra a autoincriminação traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (‘nemo tenetur se detegere’) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. (HC 79.812/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Já no tocante a participação do advogado na oitiva da testemunha, o Art. 7º, VI, “d” dispõe que este pode ingressar livremente em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer. Ao advogado não só é garantido o direito de acompanhar o seu cliente em todos os atos, bem como usar da palavra em todos os atos (incisos X, XI, e XII), a ele é garantido, sobretudo, o integral e irrestrito acesso a todos os procedimentos e processos existentes em que o seu cliente esteja.
O Estatuto da Advocacia – ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação instaurada por qualquer órgão do Poder Público, ainda mais naquelas situações em que a pessoa representada por esse profissional do Direito possa converter-se, eventualmente, em alguém sob investigação do Estado, inclusive na hipótese de inquérito. (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 87.725-MC/DF)
Parece trivial falar de tamanha obviedade, mas, infelizmente, não é, pois os procedimentos investigatórios ainda se subsidiam em atos inquisitivos, antidemocráticos, que configuram abuso de autoridade (Lei 13.869/19). Muitas autoridade se guiam ainda pela máxima do rei francês Luís XIV “Je suis la Loi, Je suis l’Etat; l’Etat c’est moi” (Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!)