"Não é pelo dinheiro", desabafam filhos obrigados a pagar pensão ao pai
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Sexta-feira | 11 de Dezembro de 2020    13h01

"Não é pelo dinheiro", desabafam filhos obrigados a pagar pensão ao pai

Fonte: Campo Grande News
Foto: Reprodução

A decisão, publicada ontem no Campo Grande News reacendeu uma discussão: até que ponto filhos são obrigados a cuidar dos pais quando não houve, da parte dos pais, este mesmo cuidado?

Ela é a caçula dos quatro filhos que foram obrigados a pagar 32% de um salário mínimo, o que corresponde a R$ R$ 334,00 que dividido entre eles, dá R$ 83,60 para cada um. "Se fosse para pagar R$ 5,00 ou R$ 1 mil... Não é o dinheiro, é o fato de todo mês ter que lembrar que eu tenho que ajudar aquela pessoa que só me fez mal a vida inteira", descreve a sensação.

Ontem, quando a reportagem foi publicada, como o caso corre em segredo de justiça, não foram e nem serão citados nomes, no entanto ela reconheceu se tratar da ação movida pelo pai. "Parece que somos péssimos filhos, um dos comentários que eu li é que mãe e pai é sagrado. De fato, minha mãe é tudo na minha vida, por ela eu faria tudo. Só que ele nos fez muito mal não só a mim, como meus irmãos e minha mãe", explica.

O pedido de pensão alimentícia não foi uma surpresa para os filhos, que contam que ele sempre ameaçou entrar na justiça. No ano passado, eles chegaram a passar por uma audiência de conciliação antes do processo seguir. Na ocasião, o pai pediu R$ 3 mil de pensão, o que foi negado pelos filhos, que em contrapartida ofereceram uma cesta básica mensal, que também não foi aceita.

"É claro que existem filhos ruins também, mas para pai pedir ajuda na justiça é porque não foi boa coisa. Minha mãe que continua ajudando a gente, é completamente diferente o relacionamento", pontua a filha.

Ela chegou a entrar na justiça pedindo pensão para o pai, o juiz determinou um valor que nunca foi pago. "Ele fala até hoje tranquilamente que não pagou. Eu cheguei a pensar em trancar minha faculdade por isso, mas minha irmã me ajudou dando o dinheiro do almoço até eu conseguir o auxílio emergencial que a UFMS liberava para estudante", narra.

Ao voltar ao passado, um dos filhos, de 30 anos e que está desempregado, não consegue encontrar boas recordações, nem na infância. "Ele sempre foi muito violento. Vi ele agredindo minha mãe, era agressivo com meus irmãos, espancava eles. Eu apanhei também", recorda. 

A separação dos pais ocorreu duas décadas atrás, quando o rapaz tinha 10 anos de idade. A mãe se desdobrava com o salário de empregada doméstica para sustentar os quatro filhos. "Quando ele passava dinheiro para casa, era muito pouco. Às vezes passávamos as férias com ele e ele dizia que minha mãe cuidava mais do filho dos outros do que de nós, mas ela fazia isso porque ele não passava dinheiro suficiente", lembra. A mãe nunca entrou na justiça requerendo pensão. 

Quando o jovem fez 18 anos e quis entrar na faculdade, conversou com o pai. "Não tinha meu curso na Federal, ele pagou a matrícula da faculdade me chantageando. Dizendo para eu fazer uma conta e pegasse cheque e cartão de crédito para ele, se não ele não iria dar dinheiro nenhum lá pra casa".

Ele fez a conta, viu apenas duas matrículas, do primeiro e segundo semestres, serem pagas e as mensalidades se acumularam. Por sorte, nos anos seguintes, conseguiu bolsa integral, mas ficou com uma dívida de R$ 8 mil que nunca foi paga. "Aí ele começou a fazer rolos com meu nome que ficou sujo com contas de mais de R$ 10 mil", conta.

O rapaz nunca conseguiu nem simular um financiamento de casa, porque sempre esbarra no nome sujo deixado pelo pai. 

Os filhos já não tinham contato com o pai há alguns anos, quando em 2019 ele apareceu pedindo dinheiro e foi até cobrar uma das filhas no trabalho dela. A reação dele foi tão violenta a ponto da mulher, uma funcionária pública de 34 anos, entrar com pedido de medida protetiva. "Ele veio no meu serviço, na minha casa. A juíza esclareceu que por ele ter histórico de agressão, já ter sido preso por porte de arma e por agredir uma mulher, ela deu a medida protetiva", explica.

Por ser a filha mais velha, ela foi a primeira a sofrer com as decisões do pai. "Quando completei 18 anos, tive que financiar um carro pra ele no meu nome. Ele dizia que se eu não fizesse isso, meus irmãos iam passar fome. Era minha responsabilidade, eu não ia deixar meus irmãos. Então fui no cartório, fiz procuração pra ele comprar o carro", lembra.

Dois anos depois a procuração foi ampliada dando plenos poderes ao pai. Para revogá-la foi uma missão quase impossível. "Tenho multas em meu nome, coisas que não caducam. A minha irmã com 15 anos já tinha o nome sujo", resume.

Os filhos alegam que o pai recebe um salário mínimo de aposentadoria, não paga aluguel, tem moradia fixa num bairro considerado classe média, o Jardim São Lourenço. "Ele frequenta barbearias das mais caras da cidade, só anda de carro, tem dinheiro para combustível. Eu moro de aluguel, assim como meus irmãos, tenho restrição do meu nome e por causa do meu pai nunca consegui comprar uma casa", afirma. 

Legislação - Presidente do Ibdfam/MS (Instituto Brasileiro de Direito da Família) de Mato Grosso do Sul, a advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Líbera Copetti, explica que o princípio da solidariedade familiar, que rege decisões como esta, é previsto na Constituição Federal.

"O que é o princípio da solidariedade familiar? É aquele que determina que as partes, os filhos devem cuidar dos seus pais e os pais devem cuidar de seus filhos", enfatiza.

Mais recentemente, o Estatuto do Idoso veio reforçar o princípio de solidariedade familiar e os deveres que os filhos têm de amparar os pais na velhice, ainda que o pai tenha sido ausente. "O dever de cuidar independe da questão de ter afeto ou não. Um pai não é obrigado a amar um filho, mas todos os pais devem cuidar dos filhos, e isso é recíproco", explica.

No entanto, já existem decisões nos tribunais de justiça pelo País relativizando essa obrigação, justamente em situações de abandono. "Estes julgados estabelecem uma situação de indignidade, que é quando não vai existir o dever de alimentar, porque seria uma situação de abandono. A mãe abandonar o filho aos 4 anos de idade e depois vem pedir pensão", exemplifica a especialista.

Ainda não se tem uma legislação específica que estabeleça essa construção jurisprudencial e a advogada defende analisar o caso concreto. "Entendo que deve ser analisado, porque a recíproca tem que ser verdadeira. Não entendo a necessidade de alteração legislativa, mas olhar com outros olhos e aplicar de forma cautelosa", opina. 

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